Megaeventos esportivos
As políticas públicas de
esporte e lazer no Brasil, desde a realização dos Jogos Pan-Americanos de 2007
e a consequente postulação da cidade do Rio de Janeiro a sede dos Jogos
Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, oficializada ainda naquele ano, têm sido
influenciadas pelo objetivo de projetar o país, tanto no esporte, como na área
política e econômica. Em junho de 2008, confirmada pelo Comitê Olímpico
Internacional (COI) como candidata, a capital carioca pela primeira vez chegou
à fase final do processo de escolha da sede olímpica. Desta vez, malgrado a
precoce eliminação na primeira etapa da disputa para os Jogos de 2004 e 2012, o
apoio governamental, afiançando os investimentos necessários, e a posição
brasileira no cenário internacional parecem ter sido decisivos. Assim, após
votação realizada na 121ª Sessão do COI no dia 2 de 2 outubro de 2009, em
Copenhague, sob aplausos e muita emoção por parte da delegação brasileira, o
projeto Rio 2016 foi anunciado vitorioso.
Desde 1999, conforme a
Carta Olímpica, o processo de escolha das sedes olímpicas é realizado em duas
etapas. Na primeira, as cidades postulantes respondem a um questionário
abordando temas considerados importantes para a organização. Após a avaliação,
o Comitê Executivo do COI seleciona as classificadas para a estapa seguinte. Na
segunda etapa, as candidaturas oficializadas respondem a outro questionário,
mais detalhado. Os documentos são estudados por uma Comissão Avaliadora que,
depois de inspeções em cada uma das cidades, produz um relatório que subsidia a
decisão final, que ocorre em Sessão do COI a partir de eleição definida pelo
método da pluralidade com eliminação, neste caso, definida em três rodadas de
votação. Vence, portanto, a candidatura com maioria absoluta dos votos.
Anteriormente, o Rio de Janeiro havia perdido na primeira etapa a indicação
para os Jogos de 2004, realizados em Atenas, e de 2012, que acontecerão em
Londres. Para 2016, foram desclassificadas na primeira etapa as postulantes
Doha, Baku e Praga. Além do Rio de Janeiro, eleita a cidade sede, foram
classificadas para a segunda etapa Chicago (desclassificada na 1ª rodada de
votação), Tóquio (desclassificada na 2ª rodada) e Madri (desclassificada na
rodada final em disputa direta com o Rio de Janeiro). Informações disponíveis
em: http://www.olympic.org/. Acesso em: 2 set. 2010.
Como se
não bastasse, ao lado dos Jogos de 2016, o Brasil sediará ainda os Jogos
Mundiais Militares de 2011, a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo
FIFA de 2014 e a Copa América de 2015. Por conseguinte, os megaeventos
esportivos passaram a constituir o princípio organizador da agenda de esporte e
lazer do país. A III Conferência Nacional do Esporte (CNE), realizada no
primeiro semestre de 2010, evidencia tal suposto. Depois de pautar-se pelos
temas “Esporte, Lazer e Desenvolvimento Humano” (I CNE, 2004) e “Construindo o
Sistema Nacional de Esporte e Lazer” (II CNE, 2006), a III CNE apresentou para
discussão o “Plano Decenal de Esporte e Lazer” que, subordinado ao slogan “Por
um time chamado Brasil”, foi construído a partir de metas e ações em torno de
“10 pontos em 10 anos para projetar o Brasil entre os 10 mais” (BRASIL, 2010).
Estes são, portanto, os termos do debate que atualmente circunscrevem a agenda
esportiva brasileira.
Mas como
os megaeventos esportivos surgem como pauta no âmbito dos governos, da mídia,
do mercado e do próprio mundo esportivo, tornando-se central na organização das
políticas de esporte e lazer do país? A formação da agenda compreende um
momento decisivo na formulação de políticas públicas, caracterizando-se como um
processo em que determinados temas emergem, delimitando um objeto de intervenção
governamental. Ocorre que este processo envolve diferentes visões e interesses,
mobilizando agentes específicos da sociedade civil e do Estado, que fundamentam
suas argumentações no sentido de regulamentar e influenciar ações que conferem
materialidade à política (MELO, 2007).
ORGANIZAÇÃO ESPORTIVA
É política do COI ter
participação ativa na execução do projeto dos Jogos, com seu próprio plano
geral de organização. Isto porque a evolução do marketing olímpico
transformou o evento esportivo Jogos Olímpicos num megaevento empresarial, um
empreendimento efêmero, mas enormemente lucrativo e totalmente inserido na
economia política global, algo bem distante da competição limpa de interesses
políticos e comerciais, voltada ao engrandecimento da cultura atlética e
educação do caráter, como preconizava o ideal olímpico. Desde Los Angeles 1984,
a entidade transformou os Jogos num sofisticado projeto de negócios e fonte de
receitas. Para se ter uma idéia, os direitos de imagem para Moscou 1980
custaram US$ 88 milhões, em Pequim 2008, US$ 1,7 bilhão.22 O fato é que, a
partir da gestão de Juan Antonio Samaranch,23 “os valores dos contratos
assinados pelo COI – que tratou de centralizar a comercialização das Olimpíadas
– cresceram em progressão geométrica e converteram os famosos cinco anéis de
Coubertin numa marca mundialmente mercantilizada” (PRONI, 2004, p. 6).
A força
política de Rogge no grupo ficou clara com a escolha do Rio para os Jogos de
2016. Simpático à candidatura carioca desde o início, embora não tenha se
manifestado publicamente, o belga ganhou a disputa interna com o grupo ligado a
seu antecessor, Juan Antonio Samaranch, cujo filho, Juan Antonio Samaranch Jr.,
pilotava a candidatura de Madri, derrotada pelo Rio na rodada final por 66
votos a 32.25
Seguindo
uma lógica de continuidade e descontinuidade – ou seja, de modernização
conservadora –, oscilando entre a tradição aristocrática e a organização
empresarial, mesmo que aberto aos interesses comerciais da mídia e
patrocinadores, o Movimento Olímpico e suas instituições, historicamente,
organizam-se como um sistema fechado e elitista, garantindo aos seus
mandatários a auto-reprodução no poder (TAVARES, 2005). No Brasil, com Carlos
Arthur Nuzman a frente do COB desde 1995, o processo não é diferente.26
Centralização, personalismo, clientelismo, grandes negócios e muitas suspeitas
marcam a história da entidade.
O fato é
que o COI e o COB, a despeito do histórico suspeitoso, possuem os direitos de
imagem e propriedade intelectual das commodities culturais que envolvem
o Movimento e os Jogos Olímpicos, o que lhes confere poder monopolista e
vantagem de negociação com os Estados nacionais quando da definição e
contratação da sede olímpica.28 Senão vejamos o que foi estabelecido pelo Host
City Contract.
Se os
Jogos Rio 2016 der prejuízo, os cofres públicos devem cobrir o buraco. Se der
lucro, 80% do dinheiro ficará nas mãos do presidente do COB e do Comitê
Organizador dos Jogos (COJO). É o que foi estabelecido pelo estatuto do Rio
2016, já aprovado pelas confederações. O documento determina que 20% do lucro
será dado ao COB e outros 20% serão devolvidos ao COI. Nuzman fará uma proposta
para o uso dos outros 60% para a diretoria do COJO. Pelo estatuto, essa
diretoria será composta por Nuzman e cinco vice-presidentes. Um deles será o
secretário-geral do COB, cujo Conselho Executivo indica os outros quatro vices.
Há membros do governo no Conselho do COJO. São três representantes, um de cada
nível. Mas Nuzman tem quatro integrantes aliados nesse organismo. Ou seja, na
prática, ele terá o controle sobre a cúpula do comitê organizador.29
Como se
vê, o COB está no comando do COJO. Como se não bastasse, o Ato Olímpico30, com
validade até o fim de 2016, assegura garantias e regras especiais para a
realização dos Jogos Rio 2016. Atribui ao Estado brasileiro a responsabilidade
por qualquer déficit. Prevê que as autoridades federais deverão atuar no
controle, na fiscalização e na repressão a ilícitos que infrinjam os direitos
sobre os símbolos – bandeiras, lemas, marcas, nome, emblemas, hinos, mascotes e
tochas – relacionados aos Jogos. Ademais, suspende, em favor do COJO, os
contratos celebrados para utilização de espaços publicitários em aeroportos e
áreas federais. Garante, ainda, os serviços de segurança, saúde e comunicação
necessários, bem como prevê a edição, pelo poder executivo, de normas
complementares futuras que se façam necessárias para a realização dos Jogos.
No que se refere ao
financiamento, conforme o Dossiê de Candidatura, o orçamento dos Jogos prevê que
as três esferas de governo repassem R$ 1,384 bilhão ao COJO. Esse total
significa cerca de um quarto do orçamento do organismo, R$ 5,6 bilhões. O
restante do dinheiro virá de pagamentos do COI, de patrocínios, de venda de
ingressos e de licenciamento de produtos, entre outros. Mas esta é a menor
fatia do orçamento, pois outros R$ 23,2 bilhões estão previstos em
investimentos públicos em infraestrutura, investimentos a serem coordenados
pela Autoridade Pública Olímpica (APO), um consórcio dos governos municipal,
estadual e federal cuja criação se deu por exigência do COI a fim de facilitar
sua fiscalização sobre o cumprimento dos acordos envolvendo o plano geral de
organização.32
Como alerta Proni (2008,
p. 51), “as receitas do marketing olímpico pagam os gastos com a
organização da festa, mas não com a preparação do local da festa”. De tal
feita, o custo estimado para realização dos Jogos Rio 2016 é de R$ 28,8
bilhões, o mais alto entre as candidaturas. Em dólares, chega a 14,42 bilhões,
enquanto Chicago, Madri e Tóquio projetaram orçamentos de, respectivamente, US$
4,82 , US$ 6,13 e US$ 6,42 bilhões. Mas, a exemplo dos Jogos Pan-Americanos de
2007, os gastos tendem a subir, pois esta parece ser uma regra geral na organização
dos megaeventos esportivos. O caso Londres 2012 é mais um exemplo. O orçamento
inicial havia previa um custo de US$ 6,3 bilhões, com o fundo público se
responsabilizando por 85% do total. Em 2008, a projeção já havia saltado para
US$ 14,9 bilhões, com 98% dos custos assumidos pelo Estado.
O sucesso
de um projeto olímpico não pode ser avaliado à luz da previsibilidade e
exatidão dos números, é o que argumenta Preuss (2008). Para o especialista em
economia do esporte que já esteve no Brasil a convite do ME, a imprecisão do
orçamento não constitui propriamente um problema, pois a organização de um
megaevento esportivo deve ser planejada e orientada a partir do jogo de
interesses e das expectativas dos diversos segmentos envolvidos, públicos e
privados. Não há, portanto, preocupação retórica alguma de esconder a essência
da operação. “No lugar do planejamento moderno, compreensivo, marcado por uma
ação diretiva do Estado, um planejamento dito estratégico, que se pretende
flexível, amigável ao mercado (market friendly) e orientado pelo e para
o mercado (market oriented)” (VAINER, 2009, p. 4), este é o tom dos
discursos dos especialistas que conferem legitimidade ao projeto olímpico
brasileiro e que, inclusive, deram substância ao Dossiê de Candidatura.
Fernando
Mascarenhas;Pedro Fernando Avalone Athayde;Mariângela
Ribeiro dos Santos; Natália Nascimento Miranda. O BLOCO
OLÍMPICO: ESTADO, ORGANIZAÇÃO
ESPORTIVA E MERCADO NA CONFIGURAÇÃO DA AGENDA RIO 2016.